O CONCEITO DE DEUS APÓS AUSCHWITZ – Hans Jonas

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Nascido na Alemanha em 1903, Hans Jonas foi contemporâneo às duas guerras mundiais que abalaram a primeira metade do século XX. Aluno de Husserl, Heidegger e Bultmann, além de amigo de Hannah Arendt, Hans foi professor na Palestina, no Canadá e em Nova York. Seu principal estudo foi sobre o princípio responsabilidade. Nessa obra o autor expõe construções e desconstruções sobre a ideia de Deus a partir da experiência enfrentada pelas vítimas do Nazismo, como por exemplo a sua própria mãe. Sobre o tema ele diz:

Com temor e tremor eu o escolho. Pois creio que eu não deveria recusar a essas sombras algo como uma resposta a seu grito, após tanto tempo, lançado a um Deus silente. (p.17)

Ouvi falar sobre essa obra através de um professor no seminário. Então, após adquirir um exemplar eu finalmente realizei a leitura dessas poucas 36 páginas. Apesar de aparentar pouco conteúdo, o texto é denso, mas não demasiado complexo. É possível mesmo sem afinidade com textos dessa estirpe absorver a sua mensagem e suas questões.

Se nós nos atentarmos apenas ao título já perceberemos que o assunto é surpreendente. Pois, pensar em Deus e se relacionar com Ele quando as coisas estão “bem” ou normais é algo fácil. A medida que nos falta algo, enfrentamos um luto ou doença, buscamos a Deus. As dores comuns parecem nos levar até Ele. Nessa dura caminhada da vida nós aprendemos com outras pessoas sobre resistência, persistência, fé, paciência, contentamento. Entretanto, a questão na qual Hans Jonas explora não é comparável a algo comum e rotineiro. Como falar com Deus ou se relacionar com Ele quando se vive uma experiência como a de Auschwitz? Hans, diante da trágica experiência proporcionada pelo Nazismo, reflete sobre Deus.

Na tentativa de explicar o “inexplicável” ele cria mitos. Suas construções lógicas são perturbadoras para um judeu ou até mesmo para um cristão. Diante de tanta desgraça e maldade, onde Deus está? Se Ele é todo poderoso, porque não disse “basta!”? Para os que sofreram esse mal, segundo Hans Jonas, Deus é silente. As orações não foram respondidas. O povo escolhido se viu só. Eram eles, o mal, e nada mais.

Dentre os pontos que ele apresenta, um é inquietante: Deus não pode todas as coisas pois se autolimitou. Esta é uma conclusão que ele propõe diante desse silêncio divino. Sendo assim, um Deus com limites é um Deus que observar angustiantemente. Sem poder fazer algo para mudar a história, pois Ele mesmo o impôs tal limite, Deus sofre.

Eu sei o quanto é complicado estender nossas reflexões na direção que ele apresenta. Mas sinceramente, eu gosto disso. Gosto de ter minhas convicções afetadas, agredidas, sacudidas. Se para você isso tudo não passa de uma grande heresia, tudo bem. Como eu disse, para nós em situações normais, com perdas e dores normais, é um “direito” pensar assim. Complicado é quando nos encontramos em uma situação anormal, não-comum, em contato com o mal injustificável. Gente desumanizando gente e fazendo com estes o que se faz com madeira, pedra, carvão, imaginando que no outro não há nada além de matéria. Maldade e só maldade. Nesse contexto é compreensível entender porque surge uma “heresia”. Olhando através de tal experiência alheia, se é que é possível, podemos aceitar uma percepção de Deus autolimitado, não onipotente e que sofre conosco.

Um dia o mal findará. Essa é uma esperança cristã. Enquanto isso continuamos, vivendo ou morrendo. Vamos ter fé! Não no tempo, mas no que está além dele. Havendo possibilidade, leia essa obra. Deixe ser perturbado por essas questões.

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